quarta-feira, dezembro 26, 2012

Crítica: As Aventuras de Pi (2012)

★★★★ Sabem quando dizem que é no cinema que acontece a magia?!

Ang Lee é um diretor que possui em sua vasta filmografia uma quantidade enorme de excelentes obras cinematográficas, que passam desde a adaptação do livro de Jane Austen, Razão e Sensibilidade, até o maravilhoso O Tigre e o Dragão. Curiosamente, este versátil contador de histórias, que estava em busca de um blockbuster na sua carreira, acabou adaptando para o cinema o péssimo Hulk, associando seu nome a um dos piores filmes com super - heróis, e talvez um dos piores da história do cinema. Se a intenção de Lee com As Aventuras de Pi ainda era adicionar em sua carreira um blockbuster, isso eu não sei, mas o diretor entrega ao público uma junção perfeita de direção, direção de arte, tecnologia e roteiro, que ao sair do cinema faz você percebe que magia no cinema ainda pode existir, se depender de diretores como Ang Lee.

Pi Patel (Suraj Sharma) é filho do dono de um zoológico localizado em Pondicherry, na Índia. Após anos cuidando do negócio, a família decide vender o empreendimento devido à retirada do incentivo dado pela prefeitura local. A ideia é se mudar para o Canadá, onde poderiam vender os animais para reiniciar a vida. Entretanto, o cargueiro onde todos viajam acaba naufragando devido a uma terrível tempestade. Pi consegue sobreviver em um bote salva-vidas, mas precisa dividir o pouco espaço disponível com uma zebra, um orangotango, uma hiena e um tigre de bengala chamado Richard Parker. 

O filme é baseado no livro A Vida de Pi, de Yann Martel, que era até então considerado "infilmável", uma vez que contar uma história onde um jovem divide um bote com um tigre ao longo de boa parte da narrativa seria um desafio até mesmo para as atuais tecnologias. A solução encontrada pelo diretor foi criar um tigre totalmente computadorizado, mas ainda assim seria uma opção que também exigiria um grande apuro nos efeitos especiais, de forma que o tigre digital, ou qualquer um dos animais, seja a zebra ou o orangotango, ou até mesmos os animais marinhos que também acompanham o jovem Pi no segundo ato do filme, em momento algum aparentasse serem falsos. Este é um dos méritos técnicos do longa-metragem, que não só conseguiu criar um credível mundo, onde um simples olhar de um tigre conseguiu causar medo, mas como também impressiona nas belíssimas paisagens que compõem o filme a partir do naufrágio, em sua maioria criada através de computadores. A fotografia é fantástica e rivaliza com A Invenção de Hugo Cabret enquanto o 3D é da mesma qualidade usado por James Cameron em Avatar.

Contudo, definir que As Aventuras de Pi é apenas um deleite visual seria reduzi-lo bastante. A obra é única, e não conta apenas uma história de sobrevivência de menino e um tigre, mas também busca mostrar o lugar da humanidade em relação a Deus e à natureza, por meio das crenças do jovem rapaz. O forte lado religioso, que é apresentado com as várias religiões que Pi acredita e segue, acaba por ajudar o espectador a aceitar o que está sendo mostrado na tela. A cada momento em que Pi está a deriva no mar, e tem que passar por situações pequenas, como ser obrigado a comer à carne de peixes (o jovem é vegetariano), ou a situações maiores, como as tempestades e a perda de sua família, afetam sua relação com Deus. Cria-se assim um embate entre a razão e a religiosidade, surgindo inúmeras interpretações a depender de qual seja a sua religião ou se não segue nenhuma, fazendo com que cada pessoa tenha uma experiência própria com a obra e formule seu próprio entendimento. Em certo momento, no final da projeção, quando Pi já está adulto, ele conta uma versão mais realista da sua história, e pergunta ao escritor (que também pode ser interpretado como o público que acompanhou com detalhe a história que foi contada) em qual delas ele acredita, na mais fantasiosa ou na realista, e ao escutar a reposta do mesmo, Pi já adulto responde que acontece o mesmo com Deus, terminando o filme com um desfecho brilhante que deixa o espectador atônito.

O filme não possui nenhum rosto conhecido, algo que segundo Lee daria mais impacto a obra. Achei a decisão do diretor brilhante, porque a história em si é o grande atrativo do filme, e isso não aconteceria se atores conhecidos pelo grande público estivessem associados ao filme. Então foi escolhido o jovem Suraj Sharma para dá vida a Pi. O jovem ator interpreta o protagonista de forma sensível e surpreendentemente segura a narrativa principal do filme praticamente sozinho, sabendo interpretar todos os estágios em que seu personagem vai se encontrar no decorrer do filme. A obra também conta com a presença do experiente ator Irrfan Khan, que dá vida ao protagonista já adulto, entregando um dos momentos mais emocionantes do filme, capaz de nos levar a lágrimas facilmente. Ainda nos deparamos com um Gerard Depardieu mais velho, que faz uma pequena participação no filme, dando vida a um cozinheiro desagradável.

Infelizmente a obra peca nas várias explicações que procura dá para algumas situações, usando o Pi já adulto para explicá-las, fazendo com que essas pausas em alguns momentos sejam desnecessárias. O fato do filme somente engrenar depois de meia hora de projeção, quando chega enfim o naufrágio, também prejudica a obra de Lee. Fica um pouco confuso entender do que realmente a obra se trata, tornando-a desaconselhada para as crianças menores, uma vez que os fortes questionamentos e ao segundo ato do filme possa tornar a obra cansativa e confusa.

As Aventuras de Pi é um quase um obra prima. Se o diretor não tivesse optado por explicar tudo, ao invés de simplesmente deixar no ar, poderíamos ter assistido ao melhor filme de 2012. Mas, depois de quase três horas absorvendo o que de mais lindo o cinema pode nos entregar, e fazendo o público ao sair do cinema refletir sobre toda a jornada de Pi, essas meras explicações acabam se tornando quase que irrelevante. E graças a diretores como Ang Lee, sabe aquela coisinha chamada magia, pois é ela ainda pode existir. 

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